AS PRÁXIS DOCENTES E O ENSINO DE GEOGRAFIA

Publicado: 5 de março de 2011 em GEOGRAFIA

RESUMO

 

Este artigo sobre as Práxis Docentes e o ensino de Geografia busca fazer uma análise de como se dá a formação dos professores agregada aos processos de desenvolvimento da educação no País. A partir daí, pretende-se visualizar quais foram as mudanças que ocorreram na profissão docente, em destaque, na de Geografia, pois esta ciência passou por vários obstáculos até encontrar seu objetivo, dificultando assim a sua consolidação, o que repercutiu no modo de pensar dos seus teóricos como também dos acadêmicos da disciplina, que a absorvem como ciência de conhecimento do espaço, sem, contudo, fazer uma análise deste com o todo, particularmente com o cotidiano dos alunos, levando-os a se graduarem com conhecimentos específicos da Geografia, mas sem um olhar para o contexto global e até mesmo pedagógico, transformando-os meramente em reprodutores de teorias e não em educadores. Trata-se também da falta de políticas públicas educacionais, que contribuem para a deficiência do ensino e da aprendizagem através da parametrização dos conteúdos didáticos de Geografia pelos alunos.

 

Palavras-Chaves: Práticas Docentes. Ensino de Geografia. Políticas Educacionais.

 

 

ABSTRACT

This article about Praxis Teachers and teaching of Geography seeks to make an analysis of how it is training teachers to aggregate processes of development of education in the country Thereafter, we intend to see what were the changes that occurred in the teaching profession, Featured in Geography, as this science has gone through many obstacles to meet their goal, thus hindering its consolidation, which affected the thinking of its theoretical as well as the academic discipline, which absorb the knowledge of how science space, without, however, to analyze this with the whole, particularly with the daily life of students, leading them to graduate with specific knowledge of geography, but without a look at the overall context and even educational, making them merely in breeding theories, not educators. It is also a lack of educational public policies that contribute to the deficiency of teaching and learning through the parameterization of the contents of textbooks for geography students.

 

Key Words: Educational Practice, Teaching Geography, Educational Policies.

 

 

 

1 Introdução

 

 

No atual contexto da educação brasileira, há necessidade de professores reflexivos que compreendam o processo de ensinar e aprender, a partir de situações que ocorrem em salas de aula, para que eles possam, através de autoanálise, encontrar soluções para as dificuldades que surgem referentes aos seus conteúdos didáticos. A partir daí, o professor é capaz de visualizar suas falhas e como elas podem refletir nos alunos, muitas vezes distanciando-os da objetividade que a educação traz nas suas vertentes, que é a produção de uma aprendizagem através de trocas de saberes. Convém lembrar que o professor não é o vilão da problemática que envolve o processo de ensino e aprendizagem, pois, em vários momentos históricos, as mudanças curriculares contribuíram significativamente para um desencadeamento de falhas no processo educacional.

Nesse sentido, destaca-se a definição de conteúdos distantes da realidade de alunos e professores, proporcionada pelas políticas públicas parametrizadas, resultando em conteúdos produzidos apenas na visão de uma determinada região do país, portanto, insuficientes, uma vez que as regiões brasileiras possuem suas identidades e não poderiam ter um conteúdo unificado.

Desse modo, o professor seria somente executor das decisões feitas pelos gestores e não por quem de fato atua em sala de aula. Será que a inclusão do professor que vive a realidade na produção de conteúdos curriculares não iria produzir mudanças significativas, porquanto proporcionaria uma reflexão sobre o que realmente está sendo produzido no interior da sala de aula e, através dessa reflexão, produzir um significado para o ensino e aprendizagem das escolas públicas?

Por isso, é de fundamental importância a discussão em torno do processo de ensino e aprendizagem, de como ele se manifesta na prática pedagógica dos professores, em destaque os de geografia do ensino fundamental,  uma vez que os alunos saem dessa fase do ensino com algumas dificuldades de aprendizagem em relação aos conteúdos trabalhados, e que nos leva a procurar fontes que deem suporte para a visualização sobre os problemas da relação ensino-aprendizagem. Compreender as práticas pedagógicas dos professores para que possamos entender se essas práticas  estão sendo produzidas no dia a dia da sala de aula, e se estão contribuindo para que os alunos tenham dificuldades na absorção dos conteúdos de geografia.

 

 

2 O ensino e as práticas docentes

 

A profissão docente no Brasil passou por vários momentos históricos, e alguns deles distorceram a ideologia do ato de ensinar. Não obstante, em cada um desses momentos o sistema educacional galgava novos rumos e diretrizes. Tome-se como exemplo, a evolução do docente de apenas um voluntário no Brasil colonial para profissional formado pela Escola Normal, um detalhe que, por outro lado também revelava suas falhas e seus reflexos para o sistema educacional.

A Escola Normal voltada para habilitar o profissional para atuar na educação emergente  não conseguiu produzir professores reflexivos e críticos, por eles não realizarem pesquisas que possibilitassem a busca do conhecimento da essência do ato docente. Por conseguinte, esse vácuo proporcionou um distanciamento entre os cursos de formação e a realidade das escolas, resultando na construção de práticas pedagógicas deficitárias que ainda hoje, no século XXI, estão presentes no cotidiano escolar.

As políticas educacionais que se sucederam no Brasil foram fundamentais para a produção das várias mudanças que ocorreram na profissão docente, o que se evidencia de forma clara nas práticas dos professores. Significa dizer que essas mudanças produziram um novo modo de pensar para a educação, principalmente na formação docente, que sai do campo restrito da escola normal, evolui para o ensino superior como formação inicial e visualiza a pesquisa como algo fundamental para produzir novas práticas, onde, a partir deste foco, surge a formação continuada como suporte para as problemáticas produzidas em sala de aula.

Segundo Pimenta (2005), as políticas de democratização social e política dos países sul-americanos deixaram os professores como protagonistas do sistema social, reformulando o pensar sobre a profissão docente e seus reflexos no sistema educacional.

A educação, que deve ser vista como base de uma sociedade e como um foco, tem suas vertentes voltadas para a relação teoria e prática docente, teorias que são acumuladas durante a formação inicial do docente, e as práticas que são produzidas e reproduzidas no decorrer da experiência do profissional. Mas, qual é a visão que os docentes têm sobre essas práticas, visto que elas são produzidas através de suas experiências. Julga-se apenas a problemática envolvida nas práticas, esquecendo-se de questionar qual a visão dos docentes sobre isso, visto que sua formação inicial é deficitária e a produção de suas práticas enquadra-se nesta problemática. Segundo Perrenoud (2005, p. 44)

Se o professor tem pouco tempo para refletir no próprio momento da ação, pode, em contrapartida, com cabeça fria, mas desanuviada, relembrar e debruçar-se sobre os acontecimentos do dia. Se o faz, não é essencialmente por questão de virtude ou para escrever suas memórias. É por fluxo dos acontecimentos vividos muitas vezes com uma forte implicação afetiva, não pode ser simplesmente esquecido sem antes se proceda um trabalho de compreensão e de interpretação.

 

Se houvesse tempo para esta concentração, talvez pudesse existir uma produção de práticas que iriam trazer bons resultados para o sistema educacional. Mas, haveria tempo para esta reflexão? O professor hoje como toda a sociedade moderna vive moldado pelo sistema capitalista, não lhe restando tempo para uma maior qualificação e muito menos para uma reflexão, produzindo assim as práticas pedagógicas deficitárias vigentes no atual sistema educacional público.

Na luta pela sobrevivência, o professor ocupa todo o seu tempo. Discutir práticas, saberes, experiências, formação continuada é elucidar mistérios, visto que essas práticas acontecem através da sua produção diária e, para isso, é necessário que haja uma visão realista do que acontece na sala de aula, é buscar entender o professor e o aluno dentro de uma relação recíproca, para que a partir daí possa-se visualizar a essência da construção dessas práticas, e não julgar as falhas sem entender que fatores as produzem. É preciso também contar com a contribuição dos professores na compreensão de suas práticas e só então produzir uma leitura das suas experiências e falhas.

O cotidiano docente é bem difícil de ser acompanhado, porquanto existe uma certa liberdade, deixando assim suas práticas um pouco imperceptíveis, pois o gestor escolar determina os horários, estipula prestação de conta de relatórios, ou seja, de certo modo impõe as ações docentes em sala de aula, mas ao mesmo tempo deixa em aberto as suas realizações, dando-lhe a oportunidade de seguir os parâmetros estipulados pela escola dentro de sua ideologia. Isto lhe permite a realização de práticas autênticas e pessoais, que às vezes podem ser positivas ou negativas, evidenciando assim que não se pode desassociar a prática da subjetividade de quem as produz.

Na análise dessa relação, ou seja, entender as práticas docentes, principalmente dos professores de áreas específicas, o que as produz, como elas são construídas ao longo da história da formação do professor, é buscar a epistemologia sobre a visão dos professores em relação às práticas, pois é sabido que muitos docentes interiorizaram a ideia de que os saberes da pedagogia restringem-se apenas ao pedagogo, que ele não precisa de outros conhecimentos e que, para ensinar, necessitam tão-somente de seus saberes específicos, o que faz com que produzam práticas distintas e moldadas por vários fatores, sejam eles pessoais, ou até mesmo políticos e sociais, que são fundamentais e têm grande participação na formação docente.

Ao chegar à escola, o professor delimita sua ação para a produção do meio capitalista, visualizando muitas vezes apenas a remuneração, tornando-se meramente um profissional e não um produtor de conhecimento. Há ainda a interferência dos próprios gestores escolares que atuam na formação das práticas docentes, formando professores com práticas associadas à ascensão no sistema escolar, transformando-os em um produtor de informações sem um foco na produção de  conhecimentos.

Um fato interessante sobre a análise das práticas docentes que muitos teóricos visualizam, é que nem todos os professores dominam o que produzem nas salas de aula, fato este que desestrutura consideravelmente o objetivo da produção do processo ensino-aprendizagem para a educação. Produz-se uma encenação do “faz-de-conta-que-ensina e o faz-de-conta-que-os-alunos-aprendem”, pois, por terem de caminhar em ritmo acelerado com o tempo que lhe é proporcionado para atuar em sala de aula, faz com que os docentes não possam avaliar o que repassaram, produzindo o que chamamos de “conhecimento superficial e demagogo”, realizando improvisações, e assim deixam de lado o aluno considerado indisciplinado.

Toda essa retórica é o que podemos chamar de habitus docente, que não pode ser dissociado das práticas, pois é ele que irá direcioná-las. Segundo Perrenoud apud Bourdieu (2005, p…),

uma “gramática geradora de práticas” . Com estes conceitos afastamo-nos da imagem da ação como construção racional e refletida; mas distanciamo-nos igualmente de uma concepção da ação como implementação de uma resposta pré-programada retirada de um repertório acabado. O habitus é formado por várias rotinas, por hábitos no sentido comum da palavra, mas também por esquemas operatórios de alto nível. Improvisar não equivale a repetir mecanicamente, existe sempre uma parte de acomodação, de diferenciação, de inovação na resposta a uma nova situação, mesmo que transponhamos condutas eficazes num outro contexto.

 

Todas as falhas encontradas ao longo dessa discussão teórica sobre as práticas pedagógicas nos levam a ver a importância de uma prática docente reflexiva, para que os docentes consigam reformular suas ações na sala de aula, visto que, de acordo com  Pimenta apud Novoa (2005, p. 55), reflexividade é uma característica dos seres racionais consistentes; todos os seres humanos são reflexivos, todos pensamos sobre o que vamos fazer. A reflexividade é uma autoanálise sobre as próprias ações, que pode ser feita comigo mesmo ou com os outros.

Portanto, é necessário formar profissionais que possam atuar de maneira positiva no sistema educacional, produzindo uma verdadeira interligação entre o ensinar e o aprender, reformulando suas práticas, inovando e refletindo a cada dia sobre a missão do que seja atuar na profissão docente, de forma a produzir cidadãos aptos a inserir-se no contexto mundial atual, segregador, e que exige a internalização de conhecimentos e não a sua superficialização.

 

3 O ensino de Geografia: uma observação do texto e do contexto

 

É necessário que haja professores reflexivos que compreendam o que vem a ser o processo de ensinar e aprender, a partir de problemáticas que ocorrem em salas de aula, para que eles possam, através da autoanálise, encontrar soluções para as dificuldades que possam surgir e assim trabalhar seus conteúdos didáticos. Só uma análise reflexiva permite que o professor possa visualizar suas falhas e como elas refletem no cotidiano dos alunos, muitas vezes distanciando-os da objetividade que a educação traz nas suas vertentes, que é a produção de uma aprendizagem através da troca de saberes.

No que diz respeito à inserção do ensino de Geografia como disciplina escolar, podemos afirmar que isso ocorreu no século passado, introduzido na escola com o objetivo de contribuir para a formação de cidadãos, a partir da difusão do patriotismo, haja vista que, para ser patriota, o sujeito teria de conhecer seu espaço. De acordo com Vlache (1990, p. 45),

foi , indiscutivelmente, sua presença significativa nas escolas primárias e secundárias da Europa do século XIX que a institucionalizou como ciência, dado o caráter nacionalista de sua proposta pedagógica, em fraca sintonia com os interesses políticos e econômicos dos vários Estado-nações. Em seu interior havia premência de se situar cada cidadão como patriota, e o ensino de geografia contribuiu decisivamente neste sentido, privilegiando a descrição do seu quadro natural.

 

Diante o exposto, não se pode negar a importância da inserção do ensino de Geografia no contexto educacional. Nessa perspectiva, ela entra no cenário da educação sem muitas visões educacionais, pois objetivava inicialmente analisar a produção do espaço como mero objeto de análise e não de produção de uma aprendizagem. Somente mais tarde é que o objetivo dessa ciência é caracterizado como transmissor de informações gerais sobre o território do mundo em geral. As reformulações que ocorreram no ensino de Geografia foram resultados de inúmeras pesquisas que denunciaram as fragilidades de um ensino com base na Geografia Tradicional, então se propôs uma Geografia Nova com base em fundamentos críticos.

No contexto brasileiro, a Geografia tem sua renovação baseada nas reflexões sobre a epistemologia da ciência geográfica, tendo início no final dos anos de 1970, momento que marca as revoluções do sistema educacional no Brasil e que tem como ponto central o 3º Encontro Nacional de Geógrafos.

Todavia, mesmo diante de todas essas mudanças, a Geografia ainda se encontra permeada pelas ideologias de suas vertentes como a Geografia Tradicional, a Geografia Quantitativa, a Geografia Crítica e a Geografia Nova, fato este que possibilitou não somente conflito, como também reformulações no ato de pensar a Geografia como parte integrante do currículo escolar. Segundo os PCNs 1111:

O ensino de Geografia pode levar os alunos a compreender de forma mais ampla a realidade, possibilitando que nela interfiram de maneira mais consistente e propositiva. Para tanto, porém, é preciso que neles adquiram conhecimentos, dominem categorias, conceitos e procedimentos básicos com os quais este campo de conhecimentos opera e constitui suas teorias e explicações, de modo a poder não apenas compreender as relações socioculturais e o funcionamento da natureza as quais historicamente pertence, mas também conhecer e saber utilizar uma forma singular de pensar sobre o conhecimento geográfico.

 

Toda a problemática das práticas pedagógicas que rodeiam o sistema educacional pode ser visualizada com maior clareza nas áreas específicas, como já foi discutido anteriormente, portanto, podemos dar uma ênfase para as práticas dentro do ensino de Geografia, norteada por toda sua problemática de construção de seus objetivos, da própria deficiência que acompanha as ciências específicas que, ao se voltarem para a educação, deixam uma enorme lacuna no momento de produzirem um real processo de ensino-aprendizagem, pois seu processo de formação inicial volta-se consideravelmente para a aquisição dos seus conhecimentos específicos, esquecendo-se de que a ideologia dos cursos de licenciatura é para docência. É nesta fase que iremos nos deparar com toda a produção de profissionais licenciados em Geografia inseridos no contexto educacional com a visão de ignorar os conhecimentos pedagógicos, imaginando que seus conhecimentos específicos são fundamentais para produzir aprendizados coesos.

Convém destacar que a Geografia tem passado por várias mudanças dentro da sua formação interna, como também em sua interdisciplinaridade, haja vista que o processo de globalização, as inovações tecnológicas obrigaram as visões tradicionais a abrirem espaço para novas formas de produzir o conhecimento geográfico de forma diferenciada, além de formar profissionais docentes de Geografia preparados. Segundo Vesentini (2005, p. 22):

É mais do que óbvio, portanto, que os avanços na revolução técnico-científica e na globalização, somado com as radicais mudanças no mercado de trabalho, exigem uma escola voltada não somente para desenvolver a inteligência dos educandos, o senso crítico (pelos menos até  um certo ponto), a criatividade individual, mas também voltada para discutir os grandes problemas do mundo.

 

É visível que, para se formar educandos aptos a serem críticos, precisamos de professores de Geografia críticos complexos e não somente voltados para seus conhecimentos específicos. Necessitamos, principalmente, de professores que visualizem que os saberes específicos só irão produzir uma aprendizagem se forem associados com os saberes pedagógicos. Esse é o novo desafio da Geografia, pedagogizar seus professores, trazer para essa nova realidade educacional uma nova linguagem, inserir o professor de Geografia na dimensão pedagógica do ensino. Acerca dessa questão, Oliva (2005, p. 25) comenta que, “Um avanço tecnológico que se deliberou do saber específico. Um saber autônomo assim precisa mostrar a que veio e interpretar seu objeto: as metodologias de ensino. Quanto mais metodologias se auto justificarem, ignorando os conteúdos que elas vão portar, mais legitimam sua existência”.

É visível que ainda persistam algumas crenças, explícitas ou não, sobre o ensino de Geografia, principalmente que, para ensinar esta ciência basta ter o seu conhecimento específico. Contudo, começa-se a notar que alguns autores introduzem em suas falas preocupações com a questão pedagógica.  Como também afirma Moraes (1989, p. 122):

É mister gerar um esforço de traduzir pedagogicamente as novas propostas e os novos discursos desenvolvidos pela Geografia[…] aproximar teoria e prática no plano do ensino de Geografia, estimulando uma reflexão pedagógica que assimile os avanços teóricos da Geografia nas últimas décadas.

 

A compreensão sobre o processo de ensinar e aprender na visão do profissional de Geografia é importante para que se possa analisar a sua prática pedagógica atual, e proporcionar reflexões sobre suas práticas docentes, e o que está sendo positivo e negativo para a construção de uma aprendizagem concreta e coesa. Assim, é torna-se relevante analisar como a compreensão do processo de ensinar e aprender se manifesta na prática pedagógica do professor de Geografia, se partirmos do pressuposto de que os alunos saem da escola com algumas dificuldades de aprendizagem em relação aos conteúdos trabalhados, e que nos leva a procurar fontes que possam embasar sobre o que está causando essa dificuldade de compreensão da Geografia como parte do espaço vivido pelos discentes.

A aprendizagem, por ser complexa, necessita de uma gama de fatores e, dentre elas, podemos citar as práticas do professores produzidas ao longo de sua formação  docente, como também devemos ressaltar que elas são moldadas por diversos segmentos, e que estão subordinadas ao funcionamento do sistema, de esquemas, dos geradores e das decisões que impossibilitam a explicitação da falta de autenticidade do professor em colocar suas habilidades e mudanças necessárias no contexto escolar.

Diante do exposto surgem as indagações: será se realmente o professor ao receber autonomia para essas importantes decisões ele saberia tomá-las com sapiência? Não deixaria a desejar? Nesse sentido, convém destacar uma acomodação quando eles simplesmente aceitam regras impostas sem discuti-las. Por isso, para que algo seja transformado, há necessidade de uma readaptação de valores e persistência. Conforme Perrenoud (2005), mudar as práticas docentes passa necessariamente pela transformação do habitus como também pela necessidade da disposição de novas teorias de aprendizagem ou novas receitas didáticas.

Um fato interessante e que levanta várias indagações é sobre onde, em que momento se iniciam as falhas docentes. Será que são reproduzidas pelas práticas didáticas dos professores? Nesse caso, requer que façamos uma análise da história da sua formação desde a escola normal ou da própria universidade, pois assim iríamos nos deparar com toda a epistemologia dos erros da formação deste profissional. Como detectou Ludke (1996), no desenvolvimento de uma pesquisa, em que ele se deparou com algo nada positivo, como os depoimentos de seus entrevistados que diziam claramente que durante a sua formação acadêmica na disciplina de sociologia nem Marx eles haviam lido completamente.

Diante dessa ausência da essência de formação de valores e conhecimentos no ensino superior, ensino este que sem dúvida alguma é a porta de entrada para a formação docente, é que podemos visualizar que tipo de profissionais estão sendo inseridos na educação, e ao mesmo tempo observar o descaso dado à formação inicial do professor, que certamente irá refletir diretamente nas suas práticas pedagógicas e na absorção de ideias erradas sobre o significado do que é saber e ensinar no contexto educacional, gerando um desencadeamento dos objetivos da educação de uma nação, que é a produção de cidadãos críticos e prontos para serem inseridos  no mercado de trabalho.

Isso nos leva a afirmar que profissão de docente, hoje, é um desafio, porquanto o professor encontra vários obstáculos para exercer sua profissão. Dentro do ensino da Geografia, um dos principais problemas enfrentados foram as sucessivas mudanças que ocorreram para estabelecer-se o objeto único da Geografia como ciência. Dessa forma, visando analisar vários aspectos do contexto global, traçaram-se várias repercussões diversas, como a inovação e produção de novos modelos didáticos no currículo escolar; houve também as negativas, como as rápidas e sucessivas mudanças no meio acadêmico, que resultaram na produção de inúmeras propostas didáticas, que seriam descartadas a cada inovação, resultando em um processo circular de repetitivas mudanças, sem fazer com que elas fossem realizadas pelos professores, pois não se chegava a um objeto concreto.

Essas mudanças curriculares e de objetivos prejudicaram a prática do professor, pois ela encontrava-se permeada por várias indefinições das propostas colocadas, principalmente nas curriculares produzidas nos últimos anos, em que é possível observar que a Geografia apresenta problemas tanto epistemológicas como relacionados à escolha dos conteúdos.

O papel da Geografia é de incentivar alunos e professores a pensar melhor, sobretudo, no que ocorre em seu cotidiano, em seu país ou no mundo. Mas nem todas as tendências geográficas eram voltadas para esta visão, na qual podemos perceber, dentro da objetividade da Geografia, que não havia fins voltados para a educação, ou para nenhum processo de ensino. Na visão de Lacoste (1985), ela não “está ligada ao funcionamento de máquinas para fabricar professores”, sua emergência ocorre para atender a organização espacial.

Este direcionamento do novo pensamento geográfico vai de encontro às dificuldades dos professores, que necessitam preparar aulas contendo assuntos interativos e diversificados.  Nesse sentido, faz-se necessário que o professor capte e forneça ao aluno as informações básicas e elementares para um acesso amplo ao conhecimento geográfico, para que ele possa, da forma mais fiel possível e precisa, interpretar a realidade que o cerca.

Mas será se diante das informações teóricas que os docentes de Geografia recebem na sua formação inicial irá ocorrer a visão de uma Geografia voltada para um foco de produção da aprendizagem? Uma pergunta que se revela difícil, pois a complexidade de objetividade dos docentes unida à da Geografia em encontrar-se como ciência, agregou-se ao demagogo sistema de educação que produz políticas fora da realidade de onde elas serão aplicadas.

 

Considerações Finais

 

Uma breve análise do contexto do ensino no Brasil, onde várias problemáticas o cercam,  revela o encadeamento de dificuldades para obter-se a formação docente, enraizada na construção social deste País. Com efeito, a desvalorização por esta prática acarretou vários problemas e reformulações, a contar da mudança do profissional da educação, de voluntário ligado a alguém influente, para um profissional qualificado e formado, fato este que poderia solucionar ou até mesmo amenizar a problemática da educação no Brasil, porém nos deparamos com a deficiência da formação de profissionais voltada para a produção de um ensino-aprendizagem, merecendo destaque os docentes de Geografia que, devido ao drama para encontrar sua identidade, deixou sequelas consideráveis para a ciência e formação de seus profissionais que se voltaram para a docência.

Inúmeros são os problemas encontrados pela Geografia, mas é na docência, foco deste texto, que iremos observar a deficiência na formação de profissionais, pois os geógrafos (licenciados) saem para a vida docente com um diploma de conhecimentos específicos e um vazio pedagógico, resultando em mera reprodução de conteúdos sem a valorização da grande essência do ensino-aprendizagem. Aliado a isso, temos as políticas públicas educacionais que produzem conteúdos didáticos dentro de uma realidade centralizadora do centro-sul do País, que os parametriza e agrava a dificuldade de absorção pelos alunos, tornando-se um ciclo de erros, no qual professor, aluno e sistema encenam uma peça teatral em que se tornou o ensino no Brasil, e onde não é mais possível identificar quem mais contribui para isso acontecer, se o sistema com suas políticas emergenciais, ou o professor que traz as deficiências de sua formação inicial, incorporando-as às falhas do sistema, ou o aluno que vem de um processo socioeconômico desestruturado e alheio à formação do conhecimento.

Mas, independente de quem seja o protagonista dessa sistematização de falhas na educação brasileira, é visível que todos deixam suas contribuições, pois dão continuidade aos erros da formação docente inicial e continuada, inexistindo na maioria das vezes uma reflexão sobre sua práxis, sobre o sistema que, mesmo diante dos seus erros, continua a reproduzi-los, e os alunos, que a cada dia estão mais alheios ao processo de aprender.

Portanto, observa-se a necessidade de uma reformulação das bases educacionais brasileiras que possam envolver todos os atores dessa dramática relação, além de uma reavaliação das práticas docentes e dos conteúdos de Geografia para que realmente ocorra uma produção de conhecimento geográfico.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental, Brasília, DF: MEC/SEF,1997.

 

LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer guerra. 3. ed. Tradução Maria C. Franca. Campinas: Papirus, 1985.

 

LUDKE, Menga. Os professores e sua socialização profissional. In: REALI, Aline Maria de. M, MIZUKAMI, Maria da Graça (org.), Formação de professores: tendências atuais. São Carlos:  UFSCAR, 1996.

 

MORAES. Renovação da geografia e filosofia da educação In: OLIVEIRA, Ariovaldo U. de (org.) . Para onde vai o ensino de Geografia? São Paulo Contexto, 1989.

 

OLIVA, Jaime Tadeu. Educação e ensino de geografia: instrumentos de dominação e /ou de deliberação. In CARLOS. Ana Fani A.A geografia na sala de aula (org). 7. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 25.

 

PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

 

PIMENTA, Selma Garrido. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, E. (Orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo; Cortez, 2002. p.17-53.

 

VESENTINI. José William. Educação e ensino de geografia: instrumentos de dominação e /ou de deliberação. In CARLOS. Ana Fani A.A geografia na sala de aula (org.). 7. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 22.

 

VLACH, Vânia. Geografia em debate. Belo Horizonte: Lê, 1990.

 

 

Stanley Braz

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE

Especialista em: Educação Transito e Meio Ambiente, Metodologias Inovadoras de Ensino,Psicopedagogia Clinica e Institucional

A cultura que tem sua  origem  do latim colere (ocupar a terra), também é empregada em vários sentidos, como, por exemplo, a adoração de deuses ancestrais em cerimônias religiosas. Com o tempo, a palavra ganhou outros sentidos, chegando a significar a condição de alguém que possui conhecimento, e a cultura se apresentaria através da linguagem, regimes, organizações e religiosidade, dando aos povos identidade e ao espaço uma unidade, na qual, através da cultura, poderíamos compreender a organização espacial e as divisões físicas e simbólicas do espaço. Como nos aponta Laraia (2009 p. 25)

No final do século XVII e no principio do seguinte, o termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar tosos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo.[…] “ tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos,crenças,arte,moral,leis,costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.

Observa-se que a idéia de cultura vem ao longo do tempo adaptando-se a evolução social, fazendo da cultura algo vital para a organização espacial, trazendo consigo grandes marcas, pois se expressa nos seus agentes de forma explícita: em suas vestimentas, através da linguagem, na alimentação, em rituais, etc., ações que se diferenciam em cada região, descortinando descontinuidades, tornando-se necessário procedimentos para sua identificação e compreensão para identificar o seu foco inicial, o seu núcleo, o seu domínio, para a partir desse contexto construir um entendimento do fenômeno cultural produtor de uma determinada região Corrêa (2008).

A cultura através de seus agentes socias tem ao longo do tempo contribuído significativamente para produzir espaços, cristalizando neles suas caracteristicas através de simbolos, formas geograficas que são produzidas e reproduzidas ao longo do tempo, atribuindo aos espaços identidades que são fundamentais para sua identificação e preservação, nos levando a visualizar a importância da cultura na produção de espaços geograficos.

Stanley Braz

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE

Especialista em: Educação Transito e Meio Ambiente, Metodologias Inovadoras de Ensino,Psicopedagogia Clinica e Institucional

RESUMO

O presente texto acerca da prostituição feminina faz uma busca da historicidade da prostituição desde as sociedades mais antigas ao contexto brasileiro, a partir da sua formação inicial, até a contemporaneidade. Relata especificamente a história da prostituição no município de Teresina, que construiu no centro da cidade um lócus de prostituição na Rua Paissandu, que surgiu no século XIX e ainda se mantém viva na modernidade do século XXI, agindo de forma discreta durante o dia e, à noite, no centro da cidade, transforma-se em vários territórios marcados e defendidos por suas produtoras como se fossem campos de guerra, flexíveis e adaptáveis às necessidades de seus agentes produtores. Com o crescimento da cidade, houve a descentralização para outros bairros e a formação de prostíbulos de elites, ou voltados para atender as classes segregadas, resultando em uma nova territorialidade da prostituição na cidade de Teresina-PI.

Palavras-Chaves: Prostituição Feminina, Espaço, Territorialidades.

INTRODUÇÃO

A prostituição feminina surge nas primeiras organizações sociais bíblicas como uma prática cultural religiosa, que ocorreu em várias civilizações, com destaque social em algumas e, em outras, segregação. Depois de apropriada pelo mercantilismo, transforma-se em um comércio voltado para atender as necessidades das mais diversas classes sociais, utilizada em alguns contextos comandados pelos mais importantes governantes, fossem eles políticos ou clérigos.

No contexto brasileiro, a prostituição contribui tanto para o povoamento como para a organização espacial, acompanhando todo o processo de desenvolvimento do Brasil desde os tempos de colônia ao de país independente e emergente, dando continuidade à história da prostituição e identidade da mulher como membro da sociedade patriarcal e preconceituosa, que se remodela dando autonomia para a mulher atrever-se ir à luta pela sua sobrevivência, seja ela de forma lícita ou ilícita, como a prostituição ainda é vista. A modernidade apropriou-se da prostituição inovando as formas de prostituir, formando novos territórios e meios para seu desenvolvimento, envolvendo-a no mundo do tráfico de drogas, aumentando ainda mais o preconceito sobre esta prática.

Na cidade de Teresina, a prostituição dá-se de maneira semelhante às outras civilizações apropriadas pelo mercantilismo, pois inicia sua produção espacial nas margens do rio Parnaíba, devido à sua navegabilidade, que proporcionou a criação do cais por onde circulavam as mercadorias e comerciantes do Estado do Piauí, destacando a Rua Paissandu como o lócus da prostituição presente ainda hoje no cotidiano da sociedade teresinense. Com o crescimento da cidade, surge outro território da prostituição, como o “Morro do Querosene, voltado para atender as classes segregadas, explicitando a divisão social na provinciana Teresina.

A contemporaneidade apropria-se da cidade de Teresina, crescendo o número de bairros e proporcionando o recuo dos moradores para áreas distantes do centro, dando à prostituição a mobilidade necessária para apresentar-se durante o dia de uma forma e, à noite, de outra, produzindo os territórios flexíveis no centro da cidade, que já possui dentro deste contexto uma função comercial, fazendo dele um espaço transitado durante o dia e vazio à noite, onde a prostituição apossa-se do espaço central da cidade e o transforma em lugar de entretenimento e de trabalho interligado com as funções já existentes do lugar.

À medida que a cidade cresce, a territorialidade da prostituição acompanha o seu crescimento, produzindo nos bairros ou zonas da cidade suas territorialidades, sejam elas voltadas para as classes ricas ou baixas, retirando do centro da cidade a hegemonia da prostituição e diversificando as formas e lugares onde esta prática milenar dá continuidade a sua identidade e importância na história e na organização espacial de onde ela apropria-se.

2  PROSTITUIÇÃO FEMININA: ATIVIDADE MILENAR

Analisar a prostituição requer uma visão complexa sobre a sexualidade, desde a permitida libertinagem do homem, mesmo sendo contra os princípios cristãos, e a intolerância para as mulheres, fazendo da sexualidade um desejo corporal impregnado nos corpos dos homens e das mulheres consideradas “perdidas”. Durante muito tempo, essa sexualidade ficou sem explicação, quando houve algumas tentativas de manifestação nas teorias freudianas de que o sexo no homem era inato, sendo necessário canalizá-lo para outras funções no sentido de haver um equilíbrio e evolução da civilização, mas que, se reprimida essa sexualidade, tenderia a sociedade à busca da clandestinidade, como a prostituição, na tentativa de saciar seus instintos.

Falar em prostituição e analisar os vários aspectos que a envolve, é necessária uma vistoria na história para, a partir de então, entender como ela superou toda a evolução da sociedade, pois remonta dos povos caldeus, que praticavam uma prostituição hospitaleira, sendo até mesmo precipitado chamar a prática desses povos de prostituição, uma vez que ofereciam suas mulheres e filhas para os visitantes através do condicionamento dos padrões culturais e religiosos que os envolviam, todavia, não deixa de ser um ato de prostituir-se, porquanto implica algo profano, mesmo que seja envolvido por cultos religiosos. Os babilônicos por sua vez cultuavam a prostituição sagrada, em que suas mulheres tinham, pelo menos uma vez ao ano, de deitar-se com aqueles que visitavam os templos, perpetuando a cultura desses povos e fazendo parte do cotidiano social. De acordo com Certeau (1996, p. 31):

O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este “mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta história “irracional” ou desta “não-história”, como o diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível…

Fazendo da prostituição algo instintivo, que se apropria de um determinado espaço, produz seu território agregando a eles valores ou desvalorizando-os, mas que cristaliza na vida, no espaço e no cotidiano das pessoas a sua presença, seja ela adorável ou odiada, tida como prática cultural, religiosa ou perversiva.

Contudo, essas práticas culturais religiosas foram apropriadas pelo mercantilismo para a produção do lucro. O mercantilismo segregou a sociedade em classes, a dos que produziam e acumulavam riquezas, e a dos excluídos, fazendo com que a partir desse processo a classe dos excluídos procurasse meios para desenvolver-se economicamente, fato este apropriado pelo ato da prostituição, que veste a nova roupagem do capitalismo. Exemplo dessa inovação da prostituição foi o que aconteceu na Grécia, onde a maioria das prostitutas era de origem escrava, e recebia a denominação porné, elas pagavam impostos e eram colocadas em bairros distantes da cidade, evidenciando o início da discriminação do ato de prostituir-se e a utilização dessa prática para a organização espacial da cidade, formando várias territorialidades no espaço urbano grego.

Mas, como em todo processo social existe suas diferenciações, na prostituição não era diferente. Dentro da própria Grécia existiam as hetairas, consideradas a elite das prostitutas, pois era constituída de mulheres intelectuais que se dedicavam a receber o alto escalão da sociedade grega, sendo lícito aos homens relacionarem-se com elas devido ao caráter bígamo dos povos gregos que alimentaram o estágio evolutivo da prostituição feminina, que passou por vários processos de mudanças, seguindo os povos e evolução de suas culturas.

Ao longo do desenvolvimento das civilizações, a prostituição vai mudando de estrutura, enquadrando-se a cada governante e modo de vida social no qual ela está inserida. Em Roma, as prostitutas eram catalogadas, sendo proibido exercer essa função se não houvesse registro, além disso, eram obrigadas a usar toga e véus para se distinguirem das mulheres de bem da sociedade, ato este que oficializa a prostituição como parte integrante da sociedade, pois as prostitutas eram vistas como algo concreto, que passam a receber os membros dessa sociedade, principalmente aqueles que não possuíam características etárias nem financeiras para formarem uma família, como também aqueles que necessitavam de mulheres públicas para expor os desejos inatos da sexualidade e até mesmo as mais distintas manifestações sexuais, como o sado ou atos que eram inadmissíveis de praticar com suas esposas.

As práticas mercantilistas sem dúvida foram fundamentais para o desenvolvimento da prostituição, a ponto de proporcionar mudanças civis para a acomodação e desenvolvimento dos prostíbulos que eram discriminados por aqueles considerados de bem. Em Portugal, por exemplo, o rei Sebastião foi forçado pelos representantes do povo a determinar territórios específicos para a prostituição desenvolver-se. A igreja, através de seus dogmas, também contribuiu para a prostituição, pois considerava a prostituição legalizada uma instituição católica, que instigava as prostitutas a assistirem a missas, e fornecer porcentagens à igreja após suas contas pagas. Esses dados fornecem subsídios para identificar a autonomia dessa profissão conquistada ao longo de sua evolução. Como ainda a política demagoga da moral e dos bons costumes disseminada através dos dogmas da igreja que por muitos anos comandou a prostituição na Roma antiga.

2.1 A prostituição feminina no Brasil

2.1.1 No povoamento

É de conhecimento que o povoamento do Brasil enquanto colônia deu-se de forma arbitrária para desafogar Portugal daqueles que socialmente agrediam os padrões sociais da então metrópole, sendo enviados para a colônia os segregados, falidos, e até mesmo as prostitutas, todos com a função de dar identidade social à então colônia descoberta. Após alguns acontecimentos na metrópole, a família real destina-se à colônia em busca de refúgio, dando um desenvolvimento urbano, construindo paisagem e estrutura urbana.

A vinda da coroa para a colônia proporcionou várias mudanças, como a abolição da escravatura e posteriormente a vinda de imigrantes, resultando no inchaço populacional do espaço urbano e, por conseguinte, a falta de oportunidades de empregos que, para os homens eram escassos, para as mulheres ficariam mais raros, restando a elas o trabalho doméstico, o artesanato, a cartomancia, ou ser lavadeiras, dançarinas e atrizes, sendo que estas ocupações eram vistas com preconceitos e relacionadas à prostituição. Segundo Engel (1989), a prostituição, nesse contexto, proporcionava uma situação mais autônoma e independente às mulheres, relativamente aos aspectos sexual, econômico e emocional, tornando-se algo mais rentável. Proporcionavam ainda diversas funções sociais, atuando também na resistência ao ideal da mulher frágil e submissa. Assim, esse contexto social e econômico estimulava as  mulheres a tornarem-se prostitutas.

Este contexto socioeconômico que envolvia a população da colônia proporcionou a disseminação da atividade e diversidade da prostituição, pois se prostituíam as escravas e escravas livres, brasileiras, imigrantes, localizando-se no alto meretrício de luxo ou em baixos meretrícios, povoando e tentando organizar o território da cidade junto ao resto dos excluídos, restando ao poder vigente tentar amenizar a desorganização social explícita no contexto, resultando no envio das prostitutas para povoar áreas distantes e de difícil acesso da cidade, como forma de controlar e até mesmo puni-las diante da inexistência de leis voltadas especificamente para elas. Engel (1989) relata que o Código Criminal de 1830 não faz destaque à prostituição ou ações ligadas a ela. Há uma explícita distinção entre as mulheres “boas” e as “más”, evidenciada no fato de que a pena para o estupro era diferente se a mulher fosse “honesta” ou “pública”.

A cidade do Rio de Janeiro, polarizadora da corte real e do desenvolvimento socioeconômico da colônia, começa a tornar-se desorganizada e turbulenta, restando às autoridades organizá-las, processo este que é iniciado pela saúde pública, sendo essa problemática relacionada com a prostituição e disseminação de doenças como a sífilis, então a atividade da prostituição começa ser analisada como uma doença, sendo atribuídas três categorias de estudos: perversão (doença física), depravação (doença moral) e comércio do corpo (doença social), todo esse processo em busca de explicar a prostituição como fato social na tendenciosa intenção de culpá-la pela disseminação de doenças e desorganização social.

Essa intenção de explicar a prostituição dá continuidade à analise da discriminação que a acompanha desde as organizações bíblicas até os dias atuais, diferenciando as prostitutas, consideradas mulheres más, das mulheres boas (casadas, donas de casa), sendo vistas por alguns como o mal que assola os diferentes aspectos da sociedade, atingindo o corpo, a família, o casamento, o trabalho e a propriedade, mas que não consegue explicar o que realmente leva alguém a prostituir-se, se é a cultura, a escravidão, a pobreza, a família desorganizada ou até mesmo a perversão impregnada no seu corpo, impedindo aquelas que optaram por esta ação, se é que se pode classificar como opção, visto que, de acordo com Weeks (1995), as escolhas não são totalmente livres, uma vez que somos condicionados por relações de poder e estruturas de subordinação e dominação.

Embora exista toda essa polêmica e historicidade sobre a prostituição construída com preconceitos, sofrimentos e até mesmo glórias e elevação da mulher prostituta, esta atividade rompe o tempo e o espaço, construindo identidade e história ao longo do desenvolvimento dos povos, independente de suas culturas, posição geográfica, explicitando a mobilidade e complexidade das ações sociais que produzem e reproduzem o espaço em que estão inseridos, inovando a cada momento que os meios utilizados se renovam em prol do desenvolvimento do homem, fazendo ações como a prostituição inovar-se para acompanhar esta mutabilidade do tempo e espaço socioeconômico, emergindo de uma atividade sagrada para uma profana, envolvida na complexidade dos desejos e objetivos humanos.

Bataille (1987, p. 125-126) afirma que:

Na prostituição sagrada, ela [a vergonha] pode tornar-se ritual e se encarregar de significar a transgressão. Comumente um homem não pode ter o sentimento de que a lei está sendo violada nele mesmo, e é por isso que ele espera […]. É pela vergonha representada ou não que uma mulher se harmoniza com o interdito que cria nela a humanidade.

A sacralização do ato de prostituir-se proporcionou um eufemismo desta prática, pois este interdito, “o sagrado”, fez um elo da prostituição com a religião que reprimia e regulava a segunda, normalizando-a diante da sociedade, fazendo desta prática algo do cotidiano da sociedade que posteriormente vem a tornar-se um comércio lucrativo.

2.1.2 Na contemporaneidade

Ao tempo em que se observa a historicidade da prostituição com todas as problemáticas que foram produzidas como reflexo dessa atividade, também se olha para o século XXI com suas tecnologias, quebra de tabus, preconceitos, a diversidade tomando espaço na então sociedade patriarcal, que perde sua hegemonia e torna-se matriarcal, mudando a estrutura da família, renovando opiniões e comportamentos, formando um mundo de mudanças sociais. Nesse cenário encontra-se a prostituição, viva e adaptada a essa turbulência de inovações na estrutura da sociedade contemporânea.

Todas essas mudanças fizeram a prostituição deixar de ser o foco da perseguição preconceituosa da sociedade, pois surgem as taras urbanas, representadas pelos pervertidos, maníacos, pedófilos, pessoas que gostam do mesmo sexo, os travestis em conflito com as prostitutas, atores estes que revolucionaram a sociedade desviando o seu olhar crítico para esses novos atores da sexualidade, permitindo à prostituição mudar de faceta, não se limitando somente às ruas e aos bordéis e muito menos às garotas da periferia, formando no espaço urbano vários territórios flexíveis voltados para a prostituição, que vão dar novas formas para  a cidade.

As prostitutas de luxo, oriundas do meio da sociedade burguesa, desmistificaram a imagem da prostituta sem instrução e oriunda de pais pobres. As prostitutas de hoje dividem os territórios, sejam eles visíveis ou invisíveis[1], estão mais elitizadas e intelectualizadas, cursam faculdade à custa de seu trabalho que, mesmo ainda não sendo regulamentado civilmente, é tido como uma fonte de renda para aquelas que vivem dessa atividade, para a maioria, encarado como a válvula de escape para a sua utopia de desenvolvimento e ascensão social. De acordo com Foucault (1994, v. 4, p. 755).

As utopias são espaços sem lugar real. São espaços que mantêm com o espaço real da sociedade uma relação geral de analogia direta ou oposta. É a própria sociedade aperfeiçoada, ou é o contrário da sociedade, mas, de qualquer forma, essas utopias formam espaços que são fundamental e essencialmente irreais. Também há, e isso provavelmente existe em todas as culturas, em todas as civilizações, lugares reais, lugares efetivos, lugares que estão inscritos exatamente na instituição da sociedade, e que são um tipo de contra-espaços, um tipo de utopias efetivamente realizadas nos quais os espaços reais, todos os outros espaços reais que podemos encontrar no seio da cultura, são ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, tipos de lugares que estão fora de todos os lugares, ainda que sejam lugares efetivamente localizáveis. Esses lugares, porque são absolutamente diversos de todos os espaços que refletem e sobre os quais falam, eu os chamarei, por oposição às utopias, de heterotopias.

Com efeito, ao construir a sua historicidade e representação através dessa utopia, seja ela discriminada ou cristalizada nos espaços onde elas se expressam, impõem sua presença no cotidiano da sociedade, tornando-se impossível a sua dissociabilidade do contexto sócio-espacial no qual esta inserida.

Nesse cenário, o Brasil ganha um novo cartão-postal, o das mulheres bonitas, onde as mulatas oferecem o mito da sexualidade, do sexo fácil, em algumas cidades brasileiras, fazendo o Brasil destacar-se internacionalmente como um país de atrativos sexuais, territorializando os espaços urbanos em função dessa atividade junto à sociedade.

Ao longo desse desenvolvimento, a classe em discussão recebeu várias nomenclaturas, de meretriz, passando por messalina, a rameira, e chega ao século XXI modernizada e com várias faces adaptadas à estrutura socioeconômica, sem perder a sua essência e até mesmo os resquícios dos preconceitos de séculos passados.

Prostituir-se no século XXI é despir-se de valores morais como um todo, é penetrar no mundo da sexualidade disponível a entrar nos mais variados caminhos que este meio oferece, pois a interligação da prostituição com o mundo das drogas, tráfico e até mesmo com a escravidão branca[2], coloca a atividade sexual da prostituição no rol dos trabalhos ilícitos da sociedade contemporânea.

Toda a construção da identidade da mulher como ser social contribui com o desenvolvimento da prostituição, pois as mulheres tornaram-se mais autônomas, livres, buscando a cada dia o poder e o controle sobre suas ações, perdendo o medo de desgarrar-se da família ou de perder a identidade de boa moça perante os olhos da sociedade, resultando na busca pela prostituição de elite, em que as meninas de boa família prostituem-se na perspectiva de obter grande poder aquisitivo, desejando a mística vida fácil. Não se pode negar a complexidade de objetividades que giram em torno dessa prostituição, pois muitas mulheres sustentam a família, pagam faculdade e visualizam um futuro melhor, e outras utilizam a prática para adquirir roupas de grifes, para entretenimento e uso de drogas, porém todas possuem seu poder, seja para demarcar seu território ou para seduzir e conquistar clientes. Afirma Andrade (1998, p. 275):

Essas mulheres que põem à venda seus serviços sexuais como mercadorias, chocam e ferem nosso eu idealista. Ferem não pelo negócio que fazem, mas pela fragilidade que se revela nos nossos princípio éticos e pelos inquestionáveis desejos que afloram […] . Despem-nos e tocam nossos instintos mais básicos em busca de satisfação.

Esse poder de sedução que permeia as prostitutas é fundamental para o desenvolvimento de suas funções, pois ataca o ponto fraco do sexo masculino, envolvendo-o em uma trama de desejos, adrenalina, novidades e beleza, construindo um cenário imaginário para seus agentes.

Independente da objetividade da prostituição da contemporaneidade, todas se deleitam sobre os mesmos conceitos, correm os mesmo riscos e sofrem os mesmos preconceitos que as prostitutas da origem bíblica sofriam, mas com um diferencial, os riscos aumentaram de uma agressão física para tráfico de mulheres, da morte ao envolvimento com tráfico de drogas, despertando nas prostitutas o desejo do crescimento e ascensão instantânea a qualquer custo, em que o ato de vender o corpo não mais a satisfaz, não está mais ligado somente ao sexo e à orgia, mas ao poder enérgico das drogas, fazendo da prostituição e da droga uma relação intrínseca e dentro de uma linguagem jurídica policial ilícita e indissociável.

A evolução da prostituição saiu das pocilgas da antiguidade, foi aos bordéis, às ruas, formando territórios, emergiu aos clubes de luxo, se expressa pela internet, anúncios de jornais, tornou-se uma categoria de análise relacionada à tendência capitalista do turismo, construiu vários meandros a ponto de ser fundamental para o entendimento das relações interpessoais do contexto social urbano do século XXI, sendo objeto de análise de várias ciências, envolvendo-se com o lícito e o ilícito, produzindo e reproduzindo ideologias e territorialidades flexíveis e condicionadas às suas necessidades, ou seja, reformulando o ato de prostituir-se, adaptando-se às necessidades e tendências da contemporaneidade capitalista. Segundo Elias (1994, p. 180):

No processo civilizador a sexualidade também é cada vez mais transferida para trás da cena, a vida social isolada em um enclave particular, a família nuclear. De maneira idêntica, as relações entre sexo são segregadas, colocadas atrás das paredes “consciência” uma aura de embaraços, e manifestações de um medo sociogenético cerca essa esfera de vida.

São esses contextos do medo, dos padrões sociais, da sensação de perigo que faz da prostituição algo atrativo, tanto pela prostituta como pelo cliente, no qual é construído o processo que proporcionou a sua permanência durante todo esse recorte temporal da evolução da humanidade, podendo ir mais longe e dizer que contribuiu para sua adaptação e evolução, interligando-se com os mais variados meios sociais, sejam eles lícitos ou ilícitos.

3 TERRITORIALIDADES DA PROSTITUIÇÃO EM TERESINA-PI

Olhar a prostituição na pacata e mesopotâmia[3] Teresina significa fazer uma volta no seu processo de organização espacial urbano. Surgida através de um planejamento político no século XIX, acontece de forma tímida, adaptando-se às necessidades básicas daqueles que a desenvolviam, tem os primeiros territórios da prostituição voltados para atender os navegantes do rio Parnaíba que circulavam pela zona portuária, localizada no centro da cidade. Essa territorialidade, resultante da prostituição, alimenta os desejos sexuais da sociedade teresinense em desenvolvimento, atribuindo ao centro da cidade e principalmente à Rua Paissandu o status de território da prostituição. Ideia que corrobora Souza (1995, p. 88):

Os territórios da prostituição são bastante “flutuantes” ou “móveis”. Os limites tendem a ser instáveis, com as áreas de influência deslizando por sobre o espaço concreto das ruas, becos e praças; a criação de identidade territorial é apenas relativa, digamos, mais propriamente funcional que afetiva. O que não significa em absoluto, que os pontos não sejam às vezes intensamente disputados […]

A flexibilidade desses novos territórios permite a construção de novas identidades e conflito de poder entre seus agentes produtores, dando a estes espaços funções distintas e também flexíveis, produzidas pelas prostitutas que se apropriam dele e lhes dá outras características.

As atividades econômicas como a pecuária e o extrativismo proporcionaram à cidade um crescimento econômico, dando a ela rumos de modernização, impedidos pela ausência de um grande desenvolvimento econômico, moldando a cidade em estruturas provinciais e sem opções de entretenimento, restando aos teresinenses poucas alternativas, onde já era possível observar os tabus e preconceitos provincianos e até mesmo a autêntica segregação social que se cristaliza nos espaços urbanos. Segundo Sá Filho (2006, p. 14):

Os cinemas, as retretas na Praça Rio Branco, os passeios na Praça Pedro II, os encontros nos bares e cafés, e as tertúlias no Clube dos Diários, eram algumas das opções de lazer e formas de entretenimento noturno dos teresinenses. Mesmo não havendo uma segregação social, legalmente instituída, a população mais pobre se divertia também, mas em outros ambientes, marcados pela simplicidade, como os festejos na Igreja de São Raimundo, no bairro Piçarra e as festas em clubes populares, como a União Artística, o Botafogo, o Teresinense e o Automóvel Clube.

Observa-se a dinâmica urbana da provinciana Teresina formando territorialidades, sejam elas puras ou impuras, acomodando a prostituição voltada para o ato ilícito da sexualidade, formado pelo grupo dos excluídos para atender os pervertidos, segundo os olhos da fervorosa igreja católica, que comandava os padrões sociais das boas famílias piauienses da época. À medida que a cidade crescia, formavam-se redes ainda precárias, mas que interligavam os bairros e construíam os lugares destinados aos prazeres ilícitos, destacando-se no contexto das décadas de 1930 o morro do querosene e a Rua Paissandu, cada um ligado a sua função, enquanto a Paissandu atendia os mercadores que circulavam pelo rio Parnaíba, o morro do querosene atendia os excluídos socialmente.

A cidade pouco a pouco se desenvolvia e voltava a dar entretenimento aos seus habitantes. Surgem as praças como lócus de entretenimento, dentre elas podemos destacar a Pedro II, a Rio Branco, a Landri Sales que acomodavam no seu entorno bares, restaurantes e clubes, claro que todos atendiam à exigente segregação social que se assola nas cidades. Os bares que concentravam predominantemente os homens serviam de local de entretenimento como também de conectividade entre a casa e as zonas de meretrício da urbe, que também acomodava bares para dar continuidade ao vício do álcool daqueles que lá frequentavam.

3.1 Cartografia da prostituição no centro de Teresina

Como a cidade de Teresina inicia sua urbanização pelo centro, todas as negociações e manifestações tendem a direcionar-se para lá, fazendo dele um lócus agregador da mobilidade e necessidade social. A prostituição que se acomoda nos arredores da Rua Paissandu, devido à sua localização próxima ao porto do rio Parnaíba e dos armazéns comerciais, forma o primeiro território da prostituição, alimentado pela circulação dos navegantes, estivadores, comerciantes que passavam dias fora de suas casas e de suas famílias, estabelecendo uma relação com o território da prostituição que se produzia através dessas relações com a redes de transporte e comercialização para atender os anseios daqueles que frequentavam o local. Para Haesbaert (2009, p. 123):

[…] não podemos separar território de rede, a não ser como instrumentos analíticos. A realidade concreta envolve uma permanente interseção de redes e territórios: de redes mais extrovertidas que, através de seus fluxos, ignoram ou destroem fronteiras e territórios […], e de outras que por seu caráter mais introvertido, acabam estruturando novos territórios, fortalecendo processos dentro dos limites de suas fronteiras (sendo, portanto, territorializadoras).

São essas relações estabelecidas intrinsecamente entre territórios e redes que proporcionaram a produção do território da prostituição no centro de Teresina, dinamizando-o de acordo com a necessidade de atender as exigências das relações tempo, espaço e redes. A cidade, com ares provincianos e regrados pela moral e bons costumes da sociedade, já estratificada em classes sociais e exclusão desta, fazia com que as mulheres que encorajassem a atividade da prostituição fossem renegadas pela sociedade, mesmo que ela fosse oriunda das exclusões sociais, seria excluída ainda mais, construindo uma nova identidade, a da prostituta sem moral, sem valor. Este processo que transforma a rua pacata e comercial em um lugar de meretrício, cristalizou o território da prostituição na Rua Paissandu, viva até hoje na memória e na história da cidade de Teresina.

Essa territorialização proporcionou à Rua Paissandu a função de vulgaridade, pois todos que lá frequentavam ou era “raparigueiro” ou prostituta, deixando a rua uma zona segregada dentro do centro da cidade de Teresina, construindo a ideia de que o local é um lócus de prostituição. Sá Filho (2006, p. 56) afirma que:

Contrariando a abordagem hierarquizante da cidade a partir do centro como lugar de licitudes e disciplinas e as margens como lugar de transgressões e relações ilícitas, a Paissandu se constituiu como a mais tradicional zona boemia e de prostituição em Teresina sem estar fora do perímetro urbano, mas dentro dele. Fisicamente foi traçada como uma das vias de acesso para a parte mais central da cidade, partindo da margem do rio Parnaíba, com o nome de Rua do Pequizeiro, 26 e posteriormente recebendo a denominação de Paissandu. Com as ruas adjacentes, constitui-se na zona, de modo que a palavra Paissandu passou a significar não somente um nome de rua, mas o de baixo meretrício, local de prostituição. A partir dessa significação, no cotidiano da cidade, inventou-se a expressão “descer a Paissandu”, que quando usada referindo-se a alguma mulher, não significava deslocar-se àquela via pública, mas tornar-se prostituta.

As ações sociais envolvidas neste processo construíram e cristalizaram um dos primeiros territórios da prostituição na cidade de Teresina que, hoje, no século XXI, ainda vive na memória da sociedade teresinense, dando margem para a sua permanência e criação de outros territórios de prostituição nos arredores da urbe. Com o crescimento da capital do Piauí, o processo de descentralização[4] remodela o centro da cidade, surgem novos bairros, os condomínios residenciais, proporcionando ao centro outras funções, a de comercial durante o dia e de entretenimento à noite, segregado para a prostituição. (RIBEIRO; MATTOS, 1996, p. 62)

Cada grupo de prostituição segrega seu próprio território, defendendo-o,algumas vezes, da ameaça de invasão de outros tipos de “mercadores do sexo” e de outros atores sociais. Nessas áreas, a dimensão espacial e o controle territorial são peças chaves para obter-se o poder. A prática da prostituição é, na realidade, uma relação de poder, porque as pessoas que ganham a vida prostituindo-se estabelecem um território onde se desenvolve esta atividade.

As fronteiras invisíveis desses territórios são entendidas por quem as produz, pois são voltadas para satisfazer suas necessidades, sejam elas de defesa ou de organização, ações  estabelecidas por códigos, linguagens, formando novos dialetos entendidos e desenvolvidos por seus agentes produtores.No centro da cidade são construídos vários territórios voltados para a prostituição, que durante o dia acomoda-se nas esquinas da cidade de forma discreta na tentativa de atrair clientes para os prostíbulos ou até mesmo para os imóveis abandonados, e à noite desinibe-se territorializando as ruas do centro da cidade, formando a cartografia do prazer, dividindo o espaço, formando os territórios flexíveis no centro da cidade e nos seus arredores, organizado em prol da manutenção do poder de apropriação. (VASCONCELOS JÚNIOR, 2008, p. 407)

Nesta relação entre território e poder, se faz necessário desvincular desta análise o conceito tradicional que possuímos sobre território. Sempre que a palavra território vem à tona, associamos o termo Estado, ao território nacional, sempre vinculamos a grandes extensões espaciais. Territórios existem em diversas escalas, uma rua, uma cidade, até o Brasil, uma outra generalidade vinculada à visão é algo posto pela história, construído antes em um passado, por isso distante da realidade atual. […] Esta argumentação teórica amplia o significado de território e vai mais além, possibilita investigar o poder através de sua territorialidade, não perdendo de vista a dinamicidade do processo de análise do mundo em termos de espaço e tempo.

A noção de poder desses territórios é determinada pela necessidade de proteger-se da concorrência, dos marginais segregados, sendo necessária esta noção para a sua delimitação e manutenção, mesmo que flexíveis. A Praça Saraiva que durante alguns anos acomodou a Feirinha[5], que movimentava a noite de Teresina, onde todos podiam encontrar-se, comprar, divertir-se, frequentado por jovens, crianças e pessoas de família. Quando encerrava a Feira, as pessoas procuravam os arredores da Praça Saraiva para continuar seu entretenimento, fazendo da praça como também dos prédios públicos lócus para as suas práticas sexuais.

Ações como essas, que exprimem a complexidade da noite, maquiada pela pouca luz e visões, torna a praça um lugar sedutor, perigoso, propício a ações consideradas imorais, produzidas pela necessidade dos prazeres dos homens e mulheres que atuam por extinto inato da sexualidade humana.

Na Teresina contemporânea, encontramos a prostituição renovada, o centro ainda persiste em ser a zona do meretrício, a Rua Paissandu acomoda alguns prostíbulos e motéis voltados para os pedestres, territórios demarcados para a prostituição noturna e diurna. Em outras ruas nas proximidades da Praça Saraiva encontramos alguns cabarés mais modernizados, com mulheres de outros Estados, mais jovens e com clientela formada por adolescentes em busca de mostrarem sua virilidade, como também pelos trabalhadores que ocupam o centro da cidade.

Fato distinto ao da prostituição da Teresina do século XIX é a quebra do padrão em relação aos prostíbulos localizados nas zonas do centro da cidade, pois encontramos atualmente a prostituição feminina nos mais diversos lugares, adaptando-se ao lócus e ao poder aquisitivo de quem os frequenta. Além dos territórios flexíveis no centro da cidade, a prostituição foi se adaptando e acompanhando a evolução socioespacial da cidade, cristalizando em cada zona um prostíbulo polarizador, seja ele localizado na Avenida Miguel Rosa, no bairro Marquês, no Dirceu Arcoverde[6], no bairro Cristo Rei[7], eles estão lá perpetuando a historicidade e a cartografia da prostituição feminina na cidade e, ao mesmo tempo, enaltecendo a importância e a luta da mulher para a sua sobrevivência, convivendo com os preconceitos oriundos do passado e absorvidos pelo presente, mas que não conseguiram abortar nem a prática da prostituição nem os vários papéis da mulher na sociedade, seja como boa dona de casa e submissa aos padrões sociais, ou como mulher desinibida, que rompe os tabus e marca a sua história na sociedade, prostituindo-se a preço alto ou destacando-se no mercado de trabalho.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prostituição, um elemento cultural milenar, vem rompendo o tempo e o espaço para continuar viva na história da sociedade. Na contemporaneidade, está diversificada, voltada para atender as exigências do mercado e equiparar-se à concorrência, ocupando destaques parecidos com o da antiguidade, quando as prostitutas recebiam reis, membros clericais dentre outros representantes do poder. Tida como prática da perversão produzida por mulheres sem moral, envolve hoje não somente a prática sexual, mas o poder, o tráfico de droga, deixando-a mais complexa e ilícita.

A prostituição sempre fez parte do contexto brasileiro, pois, sendo a sociedade brasileira fruto da miscigenação entre brancos, índios, negros e, dentre os brancos que vieram povoar a então colônia, a maioria era tida como escória da sociedade da metrópole, na qual as prostitutas portuguesas também faziam parte, trazendo para o Brasil a cultura da prostituição, como também sua genética. O que contribui para a organização espacial das cidades, visto que elas eram colocadas em áreas distantes, com o objetivo de atrair o crescimento daquele lugar.

A prostituição também acompanhou a modernização do país, hoje estando presente nas ruas, formando os territórios flexíveis, como também nos prostíbulos, sejam eles na periferia ou de luxo, localizados nos bairros nobres das cidades, mas que possuem sua função social e econômica na sociedade contemporânea brasileira, coexistindo com a liberdade sexual entre os adolescentes, que de certa forma banalizou o sexo, mas não retirou do cenário a prostituição, pelo contrário, deixou-a mais explícita e de luxo, porquanto se expressa nos mais diversificados meios de comunicação, tornando-se uma mercadoria de alto valor.

Na pacata Teresina, a prostituição tem início com os primeiros passos do desenvolvimento comercial, voltado para atender os navegadores comerciantes do Estado, fazendo do centro da cidade, em específico a Rua Paissandu, um lócus de prostituição. Com a expansão da urbe, surgem os novos prostíbulos, como o morro do querosene no bairro Piçarra, produzindo e diversificando a territorialidade da prostituição. Com a chegada do século XXI, despontam novos bairros, fazendo do centro de Teresina um local propício para a comercialização, e dessa forma, empurrando os moradores para áreas distantes, processo de que se valeu a prostituição, onde os territórios flexíveis tomavam conta do centro de forma tímida durante o dia e atrevida durante a noite.

A modernidade absorve a sociedade teresinense e os prostíbulos também se descentralizam, direcionando-se para diversos bairros, atendendo a todos os níveis de clientela, formando uma nova cartografia da prostituição na cidade, presente no histórico centro e nos bairros, atendendo o pobre nos prostíbulos dos centros e dos bairros distantes, como também políticos e turistas nas casas de diversão elitizada, fazendo de cada lugar que produz uma caracterização distinta e representante de seus atores sexuais, como também contribuindo para a organização socioespacial da cidade e perpetuação da prática milenar da prostituição feminina.

REFERÊNCIAS

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[1] Podemos considerar territórios invisíveis a internet, os anúncios de jornais, os sites de prostituição que de certa forma dividem os espaços, sejam eles virtuais ou impressos, formando territórios.

[2] Processo que atrai mulheres prometendo melhorias de vida, levando-as para o mundo da prostituição sem condições dignas de vida e a uma prisão sem retorno.

[3] Mesopotâmia, pois se localiza entre dois rios, o Poti, que tem sua nascente na serra da Joaninha, no Estado do Ceará, cortando o norte do Estado até encontrar-se com o rio Parnaíba, que nasce na serra da Mangabeira, divisa com o Estado do Tocantins, dividindo o Estado do Piauí e Maranhão até a foz do seu delta, o único em mar aberto das Américas.

[4] Processo que consiste na saída das pessoas residentes nas áreas centrais de uma cidade ocasionado pela apropriação dessa área  pelo comércio, para espaços distantes do centro, mas que oferece os serviços básicos para a acomodação residencial.

[5] Feira ligada à igreja que fornecia entretenimento aos moradores da cidade de Teresina na década de 1980.

[6] O bairro Dirceu Arcoverde acomoda uma das maiores infraestruturas da cidade, formando um sub-centro urbano, e a prostituição sempre fez parte da sua história, acompanhando a sua evolução. Hoje ela convive lado a lado com a sociedade, encravada nas ruas do bairro, podendo ter destaque um prostíbulo que se localiza próximo à universidade do bairro.

[7] Um bairro localizado na zona sul da cidade onde a população de classe média convive normalmente com um dos pontos mais conhecidos da cidade (segundo matéria do site 180 graus), um prostíbulo voltado para atender a elite, pois possui as mais belas prostitutas da cidade, sendo a maioria de outros estados, e que representa a descentralização da prostituição do centro da cidade.

 

 

Stanley Braz

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UECE

Especialista em: Educação Transito e Meio Ambiente, Metodologias Inovadoras de Ensino,Psicopedagogia Clinica e Institucional